14 de maio de 2015

Aprender ciência é tão importante quanto aprender a ler, escrever e contar


Marcelo Gleiser

Reproduzo a entrevista concedida por Marcelo Gleiser, professor de Física e Astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA) à jornalista Giovana Girardi da revista Nova Escola. 


Desde pequeno, sempre fui fascinado pelos mistérios do mundo." Com essa frase Marcelo Gleiser, professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA), começa a mostrar aos pequenos leitores de O Livro do Cientista que a ciência pode ser emocionante se enxergarmos a beleza das descobertas. Para despertar em crianças e adolescentes o encanto pelo funcionamento das coisas, ele relata o que sentiu quando, com 7 anos, começou a entender o mundo. Ao ler um livro sobre mamíferos, se perguntava como era possível haver tantos bichos. "A coisa ficou mais interessante quando descobri que nem sempre existiram os animais ou mesmo a Terra. Ou seja, tudo tem uma história com começo, meio e fim", explica o físico - um dos principais autores brasileiros de divulgação científica. 
Percebendo que poderia descobrir cada uma dessas histórias, Gleiser viu se abrirem novas possibilidades. Para ele, nada era mais atraente do que passar a vida tentando decifrar mistérios. Acabou se tornando cientista. Assim ele defende que seja também o ensino da disciplina: apaixonado, instigante, relacionado com o dia-a-dia das pessoas e, acima de tudo, aberto à curiosidade natural dos pequenos. Nesta entrevista, ele conta como derrubar o velho tabu de que ciência é um assunto chato. 
Aprender ciência é tão importante quanto aprender a ler, escrever e fazer contas?
Sem dúvida. Todo cidadão tem o direito de saber como o mundo em torno dele funciona. Há 400 anos tudo se explicava pela religião. Havia a famosa resposta "porque Deus quis". Hoje temos a opção de pensar sobre o que está a nossa volta usando a razão. Nesse sentido, uma das funções do ensino da ciência é combater o obscurantismo. Se podemos oferecer essa compreensão por meio do que a ciência já descobriu, damos uma tremenda liberdade às pessoas, que podem pensar por si mesmas. 

O avanço científico é um motivo para a escola valorizar o ensino da ciência? 
Querendo ou não, vivemos numa sociedade completamente dominada pela ciência. Ela está em tudo: nos remédios, nos alimentos transgênicos, no ambiente poluído, nos computadores. Há ainda a energia nuclear, a engenharia genética, a clonagem, as células-tronco. Sem um conhecimento básico de ciência, a pessoa não pertence ao mundo moderno. Se um governo tem como missão preparar os cidadãos para o futuro, necessita ensinar ciência. Só as pessoas bem-informadas podem participar do processo democrático. 

O que o professor pode fazer para manter o interesse natural das crianças em saber o porquê de tudo? 
Incentivar os alunos a pôr a mão na massa, transformando a curiosidade em algo produtivo. É por meio das experiências que eles se tornam agentes da descoberta e viram cientistas. Na adolescência, contudo, ocorrem mudanças metabólicas que desviam o olhar da garotada. Os estudantes prestam mais atenção no outro sexo, e o interesse pela ciência cai vertiginosamente. A escola só consegue manter o desejo de aprender se fizer com que a ciência continue relacionada à vida deles. 

Como relacionar as aulas de Ciências ao dia-a-dia dos jovens? 
Adolescente adora drama. O professor pode falar dos problemas do mundo atual e de como a ciência está ligada a eles. A energia nuclear e a possibilidade de que terroristas coloquem a mão em uma bomba e destruam uma cidade, por exemplo, podem ser abordadas. Se for levada só na teoria, a aula realmente fica "um saco", como dizem os alunos, e aí é natural que percam o interesse. Se isso ocorrer, eles dificilmente voltam a se empolgar com o tema. 

Quais são os principais problemas do ensino de Ciências hoje no Brasil? 
O pouco preparo dos professores e a falta de recursos. De modo geral, infelizmente, a ciência é ensinada no quadro-negro. O professor fala de Biologia e dos princípios da Física e da Química fazendo desenhos no quadro. Raramente são realizadas experiências simples em sala de aula para ilustrar os conceitos. Um exemplo óbvio é falar que [o cientista italiano] Galileu Galilei [1564-1642] descobriu que o período de um pêndulo não depende da massa do objeto que está sendo balançado. Isso é superfácil de mostrar e não necessita de equipamento ou dinheiro. Basta amarrar pedras de tamanhos diferentes em duas cordas e balançá-las. O período das oscilações vai ser o mesmo. Se o professor for bem preparado e souber fazer demonstrações em classe, o ensino de Ciências vai dar um pulo gigantesco. 

A eficiência no ensino de Ciências depende da formação dos professores? 
Sim. A mudança no ensino só vai ocorrer se a formação melhorar. Muitos professores não têm paixão pelo assunto e só lecionam a disciplina porque precisam. Para que essa situação se resolva, é necessário mexer nos cursos de licenciatura. Eles devem mostrar, primeiramente, que, quando a ciência é explicada por meio de demonstrações e experiências, ela vai além de uma fórmula e se torna verdadeira, concreta. Em segundo lugar, é imprescindível ligar a ciência à vida. Um ônibus é um excelente laboratório de física do movimento, por exemplo. 

Qual a melhor estratégia para o professor despertar nos alunos o interesse pelos mistérios da natureza? 
Mostrar que a ciência é uma das atividades mais humanas e lúdicas que existem. Pode-se brincar com ciência o tempo todo. É fantástico revelar como uma lagarta se transforma em borboleta. O aluno fica encantado ao descobrir como as coisas acontecem. O mesmo ocorre quando explicamos que o Sol é apenas uma estrela entre centenas de bilhões de outras estrelas rodeadas por planetas. A criança olha para o céu e pensa se existem outros "eus" em outros lugares. Ainda falta esse mistério no ensino da disciplina. 

Como explicar ao aluno a importância das informações científicas? 
Esse é o grande desafio. E há uma maneira muito simples de fazer isso: apresentar uma perspectiva histórica das coisas. Falar, por exemplo, que em 1600, na época em que Galileu e [o astrônomo alemão] Johannes Kepler [1571-1630] viveram, acreditava-se em um Universo completamente diferente do atual. A medicina era primária, "bruxas" estavam sendo queimadas. Pensava-se que o Universo era estático, que a Terra era o centro de tudo e que o Sol girava em torno dela. Os cientistas começaram a questionar isso e em 50 anos viraram todas as crenças de cabeça para baixo. Assim, o professor mostra que ao longo da história a ciência ajudou as pessoas a perceber em que mundo elas vivem. 

Qual a sua opinião sobre o criacionismo? 
Sem dúvida, o criacionismo [corrente que tem como base a Bíblia para explicar a origem do Universo, em oposição ao evolucionismo, de Charles Darwin] tem de ser absolutamente abolido das escolas, porque é obviamente uma visão cristã. Ensinar essa corrente seria uma violação ao direito que cada um tem de escolher sua religião. Dizer que a teoria da evolução e o modelo do big-bang estão errados é contraproducente. 

Como deixar claro para os estudantes que a ciência não é uma verdade absoluta? 
É preciso apontar que a ciência está sempre em renovação e evolução. Ainda há muitas questões sem resposta. É verdade também que existem buracos nos registros dos fósseis, os elos perdidos. Mas isso não significa que a teoria da evolução por seleção natural esteja errada. Ao contrário, ela oferece um meio fantástico de pensar sobre como as espécies animais surgiram e evoluíram. Quando foram encontrados os primeiros fósseis de dinossauro e se perguntava por que eles tinham desaparecido da Terra, a resposta era: porque não couberam na Arca de Noé. Esse tipo de dogmatismo religioso é extremamente perigoso. Se a escola questiona a ciência e o seu valor, mina a possibilidade de as crianças crescerem como cidadãos livres. Elas vão ficar escravizadas ao obscurantismo. E isso é um crime.

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